2.4.09

(in)Sustentabilidade

Dando continuação à discussão sobre o preço da sustentabilidade, que começou aqui, com o post dos supercompactos, pulou para outro blog, passou pelo parelelas (grupo de email de alunos e ex-alunos da Esdi), e continuou aqui depois, nos comentários do último post, vou comentar uma matéria que há muito me planejei para comentar, mas acabei esquecendo dela, que ficou perdida em meio ao bolo de revistas bagunçadas no meu quarto.

A matéria saiu no Guia Exame de Sustentabilidade 2008, que ganhou novo nome em 2007, quando sustentabilidade já era o termo da vez no mundo corporativo, mas é o antigo Anuário de Responsabilidade Social da Revista Exame. Vou colar aqui apenas alguns trechos, e recomendo a leitura da matéria completa. Clicando na imagem ao lado, você pode ver os resultados da pesquisa em gráficos, que não estão disponíveis na versão online
O problema é o preço
A maioria dos consumidores se diz preocupada com questões ambientais, mas apenas um terço pagaria mais por um produto ecologicamente correto

(...) O levantamento, realizado em setembro, ouviu 200 moradores da cidade de São Paulo - homens e mulheres com idade entre 20 e 50 anos e renda familiar mensal entre 5 000 e 10 000 reais. De acordo com o levantamento, 74% dos entrevistados consideram-se consumidores preocupados com questões ambientais e 59% afirmam que produtos com apelo ecológico influenciam sua decisão de compra. Apesar das boas intenções, na prática o comportamento desse grupo é outro. A pesquisa revela, por exemplo, que 70% dos entrevistados desistem de comprar produtos com selo ambiental caso eles custem mais do que similares sem a certificação verde. Além disso, 47% dos consumidores afirmam que não deixam de comprar um produto mesmo sabendo que ele é prejudicial à natureza.
(...)
Segundo especialistas, no Brasil a disseminação do consumo consciente depende, sobretudo, do aumento do poder aquisitivo da classe C. "Essa camada da população está encantada com o poder de consumo recém-adquirido", diz Thiago Lopes, gerente de planejamento da agência de publicidade Talent, que acaba de concluir um estudo no qual detectou nesse público certa indiferença em relação ao consumo orientado por valores responsáveis. "Não surte efeito algum falar em sustentabilidade quando o que essas pessoas querem, no momento, é realizar o sonho de ter um carro na garagem", diz Lopes.
Esses dados mostram que, sustentabilidade de fato, no Brasil, ainda é para poucos - seja por que ela dói um pouco mais no bolso, seja porque ainda não há uma consciência coletiva da causa. Porém, logo após, a matéria continua, analisando o mercado potencial para estes produtos:
Apesar da barreira econômica, seria arriscado para qualquer empresa ignorar a parcela de consumidores que seguem a cartilha do consumo responsável - um terço da população entrevistada pela pesquisa do Quorum Brasil. Entre os principais motivos citados por esses consumidores para a compra de produtos com apelo ecológico estão a preservação da natureza e a preocupação com o futuro da próxima geração. "A tendência é que o número de pessoas dispostas a assumir tais valores aumente", diz Heloísa Mello, gerente de operações do Instituto Akatu, organização não-governamental que promove o consumo consciente. Em pesquisa realizada há dois anos, a entidade verificou que 33% dos consumidores brasileiros são conscientes - têm um bom grau de percepção dos impactos coletivos ou de longo prazo em suas decisões de consumo e não se atêm aos aspectos econômicos ou aos benefícios pessoais imediatos.
Na minha opinião, a sustentabilidade e o consumo consciente são de fato o caminho a ser seguido. Ainda mais agora com a crise. A tendência é que as pessoas, que agora não tem mais tanta oferta de crédito para investir em produtos supérfluos, com ciclo de vida reduzido, pararão para pensar um pouco mais antes de fazer suas compras - e a sustentabilidade pode entrar como um grande diferencial nesta escolha.

O desafio para os designers, neste momento, é compensar, no projeto, o custo mais alto que estas matérias primas têm no mercado. Projetos cuja produção seja mais eficiente e que diferenciem-se de seus concorrentes não apenas por serem ecologicamente corretos, mas por terem algum outro valor agregado e preço final competitivo é o objetivo a se atingir.

3 comentários:

Bernardo disse...

Acho que a primeira coisa que está errada no modelo de "sustentabilidade" vigente é o preço dos produtos. Não necessariamente a matéria prima vai ser mais cara por ser ecologicamente correta, mas como o próprio post diz, um selo escrito "bio", eco", "orgânico" ou qualquer coisa do gênero é visto como agregador de valor e não como uma necessidade / utilidade para o consumidor e para o mundo. Sustentabilidade tem a ver com a quantidade, e não com a boa vontade de meia dúzia. Para falar em sustentabilidade de verdade, todo mundo tem que começar a usar produtos eco-fofos. Não é torcer para a nata da classe C aderir à moda e comprar meia dúzia de produtos eco.
Isso ao meu ver é o maior erro do eco-design. Usa-se o material tal pra fazer um objeto, o processo tal de fabricação, tudo pró-mundo e depois coloca à venda nas lojas mais caras de decoração. E aí? Alguém conteve a destruição do planeta dessa maneira? Já pensaram em usar o material tal, o processo tal, gerar um objeto bonitão e vender pela metade do preço de qualquer cosia das Casas Bahia? Já pensaram toda a torcida do Flamengo comprando eco-coisas? Aí sim poderia começar a fazer diferença...

João Mermolia disse...

minha opinião talvez complete a do Bernardo... Os selos de ECO sei lá o que não necessariamente traduzem as necessidades do planeta de sustentabilidade no consumo dos recursos naturais. Vejo muitos e muitos produtos hoje no mundo, inclusive Brasil, que tem funções/dispositivos que otimizam consumo de energia, facilitam seu descarte/desmonte para reciclagem, e tudo mais que aprendemos sobre o assunto. Achei esta pesquisa (pelo menos a parte que está escrita no post) omissa neste ponto. Não se aprofundou sobre esses produtos que não possuem selo ECO, e só analisou os que o tem. Na verdade eu só conheço afundo o selo ISO 14000 de Gestão Ambiental. Vejo como solução obrigar que todos os produtos tenham tal selo(s) de eficiência em gestão ambiental, e os que não tiverem, se adequem a esta suposta lei, ou que sejam tributados por isso. Não há nada de novo nisso...

Bruna Canabrava disse...

Venho acompanhando a discussão sobre “sustentabilidade” e percebi que sob este título estamos discutindo várias questões separadas. Até agora, identifiquei 4 problemas diferentes:

1. Posicionamento de mercado.
Por que o Smart é vendido como um carro barato na Europa e como um carro de luxo no Brasil? Essa diferença se deve ao real custo de produção, impostos etc. em cada região ou ao valor agregado que a Mercedes consegue associar a este produto dependendo do público? Não sei a resposta, mas se for o caso de simples posicionamento de mercado, não seria a hora de nós, brasileiros, pararmos de comprar produtos caros (que não valem quanto pesam) que os estrangeiros nos empurram?

2. Poluição e trânsito.
Entendo que carros compactos são mais eficientes do que a maioria dos outros carros no mercado e que o transporte público superlotado e demorado está aquém do necessário para convencer pessoas a deixarem seus carros em casa e pegarem o ônibus ou o metrô para irem ao trabalho. Mas entre a solução individualista (cada um ter o seu carro) e esperar que o governo resolva o problema do trânsito (já deveríamos ter aprendido que deste mato não sai cachorro), há outras soluções a curto prazo: qualquer carro que leve dua pessoas já se torna mais eficiente (km/l/pessoa) do que um compacto. Imagine se cada carro levar 3 ou 4 pessoas. Por que não nos organizamos em rodízios de caronas com nossos colegas de trabalho? Empresas como a Petrobrás ou a Michelin e condomínios da Barra (a tão demonizada Barra...) há anos já providenciam uma alternativa a seus empregados/moradores, com sistema de transporte coletivo particulares. Isso, sim, é uma solução sustentável: não estão contando com a boa-vontade ou consciencia ecológica dos consumidores, mas estão de fato oferecendo um seviço bom para todo mundo: passageiros que podem fazer sua viagem diária de forma relaxada; o meio-ambiente, já que o transporte coletivo é bastante eficiênte; e os outros motoristas na rua, já que para cada passageiro é menos um carro na rua. Por que nós não podemos nos organizar em nossos bairros, clubes ou em nossos prédios comerciais para que esse tipo de serviço seja mais comum?

3. Eco-produtos e consumidores conscientes.
Continnuando o argumento do tópico anterior e, como o Bernardo e o João já mencionaram acima, não podemos depender da boa-vontade do consumidor para que produtos “sustentáveis” se tornem a maioria. É importante, sim, que haja uma conscientização desses problemas, assim como é importante que as pessoas sejam mais educadas no trânsito, não paguem propina, não queiram um “jeitinho” etc. etc. Mas se tivermos que esperar todas as mazelas de educação da nossa sociedade se resolverem, para termos produtos “sustentáveis” estamos ferrados. Acredito que a solução seja justamente não usar o selo “verde” como um valor agregado (já que a nossa sociedade não enxerga esse tal valor) e, sim, projetar produtos “verdes” cada vez mais competitivos.

4. Consumismo e a crise mundial
Descordo do Ronaldo quando diz que “Ainda mais agora com a crise. A tendência é que as pessoas, que agora não tem mais tanta oferta de crédito para investir em produtos supérfluos, com ciclo de vida reduzido, pararão para pensar um pouco mais antes de fazer suas compras - e a sustentabilidade pode entrar como um grande diferencial nesta escolha.” O termo “sustentabilidade”, como é normalmente usado, diz respeito ao ciclo completo de vida de um produto -- sua matéria prima, etapas de fabrícação, uso e descarte – e nesse contexto, hoje em dia, ainda são poucos os produtos sustentáveis (uma das poucas exceções é o carro) que, de fato, representam uma economia para o usuário. Ao contrário, por causa da crise, pessoas estão deixando de comprar produtos “verdes” justamente porque custam mais caro. (ver: Fewer Americans Going Green During Recession ou Green product sales stagnating, survey finds, por exemplo) Acredito, sim, que a crise ajude a diminuir o consumismo e a quantidade de lixo sendo produzido, mas não que ela aumente a preferência por produtos “sustentáveis”. Mais do que nunca, em épocas de crise, o mais importante é o quanto o produto pesa no bolso.

Enfim, me desculpem um comentário tão longo (talvez seja a hora de eu começar meu própio blog!), mas dou muito valor a essa discussão. Não alego ter as respostas para nenhum desses problemas, mas acho muito importante que saibamos separar cada um dos aspectos para que o diálogo continue. Obrigada, Ronaldo, por por essa bola em jogo!